Sobre El alcohol de los estados intermedios. Por Sandra Santos
A Estrada Decidiu
Ser Rio – a Poética de Gladys Mendía
Por Sandra Santos
02.2020,
Portugal
Imersos nesta viagem à poesia de Gladys Mendía, habitamos as polaridades palavra-metáfora, onde os elementos se ocultam nas suas próprias sensações. Explico-me: onde se lê fogo, lê-se cinza; onde se lê neve, lê-se vapor. Na vertigem dos sentidos, o nosso olhar se espraia por superfícies inóspitas, pois cegamos tal é a frigidez do branco. E é na polaridade que nos descobrimos mais humanos. Somos pluralidade, o que emanamos regressa até nós num grande espectro de cinzentos.
Ao longe, um ser insone começa a despertar e vem-nos revelar um mundo novo. Assim também é a Nova Era planetária. Cada ser desperta de um grande sono e toma consciência da sua posição no (seu) mundo. A poeta, como decifradora dos mistérios reais, diz-nos que vê tudo a derreter-se em sombras e que mesmo que não te movas a viagem começou. Pois bem, o mundo de baixa densidade começa a desvanecer-se para outro mundo mais elevado se impor. É necessário ter consciência das sombras para elas se tornarem visíveis, reais, humanas. Nesta jornada de sombras e luzes, vamos começando a ter pé na piscina coberta de neve, de noite.
Tudo é desconstrução para algo melhor. Ou tudo é ilusão para ter um fim. Embriagados ficam, então, os sentidos, pois o delírio é arder com os olhos fechados. O som é compassado, o fogo é omnisciente: tudo arde sem saber. Nós, leitores, temos uma visão privilegiada sobre a sarça ardente. Contudo, apenas podemos tocar em metáforas. O gesto sem forma ou cor impõe-se e somos convocados à ordem, pois apenas a desobediência pode nos salvar.
Por detrás, escutamos uma melodia atemporal, repercutindo a nossa essência política, a nossa omnisciência poética. É hora de escutar os poetas! Porque, às vezes alguém sabe / ou sonha que sabe. A poeta diz que somos nomes repetindo os mesmos incêndios e que o nome nos torna cinzas. Enquanto acharmos que somos o nosso nome, o nosso corpo, os nossos pensamentos, viveremos em cárcere. Mais além, (vêem?) está a fluidez em forma de rio. O espírito não precisa de saber nadar.
Sonhar cansa. Arde
o incêndio / não sai fumaça, o leitor intui o odor a queimado, mas a
natureza é perfeita: é já verde na outra polaridade.
caem
as árvores em silêncio / sem cinzas /
a verdade é que tudo arde / e se vê tão verde
a verdade é que tudo arde / e se vê tão verde
Mago é aquele que
confia ao fogo a sua missão, porque também os elementos têm um destino.
Piscamos e já nos estamos a aproximar de outro abismo. O barco em que navegamos, convertido em chuva, evaporou-se. Agora só nos resta empreender rumo a novas paisagens. Somos animais de estações. Usássemos mais os caninos, as mãos e os pés, e saberíamos mais acerca da nossa origem. O que toca também pode doer. Mas não será que a dor dos confusos é pura ilusão? Não será que toda a dor é pura ilusão?
Temos mais perguntas do que respostas. E que bom que assim é. Adentrar neste livro é igual a descobrir novos tons de luz e sombra. Dá a sensação que tudo é manifesto (nas várias acepções da palavra). O autor Alejandro Tarrab diz que não conhece as cores das chamas de todas as substâncias. Também não é preciso, pois, entre o branco e o negro, toda a humanidade está aí contida.
Nos interstícios da voz, está o silêncio dos emparedados, dos confusos, dos desfocados, dos que experimentaram, pelo álcool, os estados intermediários. Ocultam-se para resistir e, na resistência, corroer paradigmas. Com tudo já às claras, revelam os códigos que dão acesso à Nova Mente Humana.
Viajar é
enterrar-se / dar as costas ao céu, diz a poeta. Ir para dentro é entrar
no avesso. A viagem é esse mergulho para o outro lado. Os extremos tocam-se,
pois no universo, na física quântica como na vida, semelhante atrai semelhante.
Nesse sentido, estes poemas despertam-nos para uma ordem fluída universal
(multiversal, diria), pois tudo arde calculadamente.
O poeta português, Sá de Miranda, disse: “Que farei quando tudo arde?”. Quando assim for, é deixar as emoções – as nossas águas internas – guiarem-nos, esperando as marés da voz. Porque, no princípio, era o Verbo, e tudo se construiu em cima da palavra. Tudo tem espaço, porque até a luz peneira as sombras e estas são as sementes que sequer rebentaram ainda e já pensam no fim.
A poeta acredita que as sementes são A TRANSIÇÃO. Expressar as sombras é dar espaço às sementes da Nova Era. Transitamos, actualmente, pela Era de Aquário, sendo convidados a diagnosticar as nossas doenças e a iniciar o processo de cura. E, como tudo o que dói também sara, o fogo tem esse poder catártico. Para que serve o álcool? Para potenciar e alastrar o fogo ou para anestesiar o fado?
Nestes versos, há sinais que advertem (manipulam?) o leitor a encontrar o seu próprio norte.
RESPEITE OS
SINAIS EVITE ACIDENTES
Somos tratados
como conceitos, porque não somos, mas, sim, estamos. Somos homens em
construção, hoje é ontem e amanhã. O ser é “pessoano”, como se alguém fosse
o mesmo sempre.
MANTENHA
DISTÂNCIA
Quem viaja não sai de si, sai dos condicionamentos sociais e, tomando maior distância e consciência, volta ao seu centro, ao seu sol, à sua solidão.
Tal como existe,
neste livro, um Trânsito do Alfabeto, encontro também um trânsito das
sensações: visuais (cores), olfactivas (cheiros), auditivas (melodias), orais
(versos/manifestos), tácteis (ordens e formas). Um gradiente de cor contido na
vida que nunca cessa, nem pelo fogo, nem pelo fado.
Palavras que entreabrem algumas janelas – escancarar tudo o que se fecha, é essa a luta da poeta.
E se a poeta diz que não há sistema / não há sentido / não há níveis nem formas / não há ordem, vocês já sabem como ler isto à luz do vosso entendimento.
A ordem é intuitiva; é uma manifestação do divino – ela, simplesmente, é. Assim como a estrada decidiu, contra todas as possibilidades, ser rio.
SANDRA SANTOS (Portugal,
1994). Profesora, poeta, traductora y revisora. Licenciada en Lenguas y
Relaciones Internacionales (Universidad de Oporto), tiene el máster en Estudios
Editoriales (Universidad de Aveiro). Es profesora de portugués como lengua
extranjera y es traductora y revisora del español e inglés al portugués.
Participa en diversos proyectos culturales, artísticos y literarios. Sus poemas
y traducciones están publicados en Portugal, España, América Latina y Estados
Unidos. Su primer libro, “éter”, que salió en 2018, está publicado en Brasil,
en la editorial Jaguatirica, y en México, en la editorial Ediciones Eternos
Malabares.
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